Crónicas da Vida Real do Peregrino
Hoje fui a um Funeral como nunca, na minha vida, havia assistido. Foi a materialização da Última Vontade de um grande Amigo meu. Homem íntegro. Homem de óptimas qualidades. Homem destruído pela insensatez da ex-mulher e dos filhos.
Conhecemo-nos em jovens quando praticávamos desporto. Era leal. Era daqueles que sabia a força que tinha. Era também daqueles que sabia perder e sabia ganhar!
Não sei porque motivos se casou com aquela mulher que, todos nós que a conhecíamos, nem por sombras a desejávamos como namorada. Era daquelas pessoas extremamente simpáticas que entrava no coração de toda a gente mas, a dada altura, atirava uns contra os outros para, de seguida se colocar no papel de vítima...!
Namoraram para aí uns quatro anitos. Casaram-se pela Igreja contra a vontade dele mas, como a amava cedeu de tal forma que foi vê-lo, anos seguidos, transformado em padrecas participando nas Missas lá da sua paróquia.
Pela rua e nos sítios que frequentavam eram tidos e achados como boa gente, um casal exemplar, em fim um exemplo de família unida a ser seguido!
A mim, tanta harmonia, cheirava-me a esturro. Depois como o conhecia no seu saber perder achei que estava sempre na mó de baixo. Filhos adultos. Trinta e dois anos de casamento que num repente, acabaram, por vontade expressa dela, segundo me contou muitíssimo mais tarde.
Ficou só! Nunca foi homem de se dedicar, sem nexo, a uma mulher. Os filhos zangaram-se com ele. Abandonaram-no, pura e simplesmente!
Cedo descobri que vivia com inúmeras dificuldades. A sua pensão de reforma não dava para pagar o usual: Renda de casa, água, electricidade, gás, alimentação e medicamentos. Roupa nem pensar. Essa recebia-a usada de quem lha desejava ofertar.
Reuni-me com um grupo de amigos que não adivinhava o seu estado de vida, dado que ele era tão discreto que passava mais depressa por sovina do que por gastador.
Discretamente, apoiados pelo Gerente da sua Agência Bancária, íamos suprindo o negativo da sua conta para que nada lhe faltasse. Se existe Vida para além da Vida, ficou a saber, no dia em que morreu quem eram os seus bem feitores. Chegou a contar-me que se estivesse numa fila de pedintes mendigando um pouco de água, que os filhos lha negariam. E era verdade porque, um belo dia, necessitou de dinheiro para comprar medicamentos, pediu emprestado aos filhos, por carta, e negaram-se a ajudá-lo!
Há alguns meses adoecera do coração. Em pouco tempo definhou e morreu com um forte ataque cardíaco já internado no Hospital.
Estas foram as suas vontades, distribuídas por uma senhora das suas relações íntimas:
1 - Quando falecer não quero cerimónia religiosa, seja de que religião for. Quero que o féretro seja dos mais baratos para ser cremado com o meu corpo.
2 - Quero seguir directamente da casa Mortuária do Hospital para o Forno Crematório.
3 - Quero que estejam presentes as seguintes pessoas. Mencionou o nome daqueles que lhe deram sempre muita e grande Amizade, e a mão também. Cumprimos à risca apesar de alguns que contribuíram para o ajudar materialmente não estarem mencionados, uma vez que fizemos tudo em segredo.
4 - Os meus filhos estão proibidos de estarem presentes no meu funeral. Filhos que deixaram de conhecer o Pai em vida também não se obrigarão a reconhecê-lo depois de morto. Cumprimos à risca!
Do número 5 em diante são disposições legais sobre os seus parcos teres e haveres, doados a Instituições de Solidariedade Social. e a entrega das chaves do apartamento ao senhorio. Vai ser tudo, cumprido à risca!
O que levou este Homem Bom a proceder desta forma?
Só ele e Deus saberão dar esta resposta!
Marcolino Duarte Osório
- Peregrino -
2009-09-01